28.8.09

No. 62 - Gosto de ENEP

BAO DIMAIS SO!


Céu cinza avermelhado, em ressaca de chuva, e eu apoiada num casaco enorme, segurando meu guarda chuva de cores. Nesta postura e paisagem fica até difícil encontrar sentimento similar da semana que passou, para ajudar a evocar as memórias.
ENEP 2009. Encontro Nacional de Estudantes de Psicologia. 1300 corpos misturando energias e idéias, ignorando o contágio da gripe A, sendo afetado por outros, por todos ou poucos.
O calor térmico de Minas aliado ao calor humano da Psicologia, fizeram banho frio não ser problema (pelo menos para os do Sul...). Sotaques se misturavam e novas línguas foram faladas. Impossível dizer que no encontro nacional se falava um só idioma. Os dialetos, gírias e novos termos tornaram o caleidoscópio completo. E não foi criado, tampouco, uma língua nova e única. Cada um pode aprender a falar de um jeito.
Mesmo dividindo os mesmos espaços – ou a falta deles -, gostos e cheiros, não é possível definir um ENEP. O encontro que ocorria desde uma fila até a troca de opinião no auditório, foi para cada indivíduo o que foi para cada indivíduo.
Em bom minerês, simples e cantadinho, tudo é pertim, logo ali, é só subir ou descer uai. Porque foi essa proximidade que promoveu os contatos, mesmo que o DDD na hora de anotar, fosse muito longe.
Ali naquele papel no último dia, se lia:
“Certificamos que Cleber (o amigo imaginário de uns que conheci) `participou do XXII ENEP. Psicologias Gerais... dos... totalizando.... horas.”
Horas essas registradas muito inferiores ao acontecido, porque até na hora de descobrir como arrumar um espaço pra mochila, uma troca de conhecimento ou somente de afeto, se dava. E é isso que o estudante (de Psicologia ou não) presente em BH nestes dias, leva na bagagem.
Descobri (ou reconfirmei dos EREPs que já passei) que são os espaços informais que me afetam. Até a oficina que inscrevi quis repetir em um horário “não-oficial” depois. Porque tudo é possível ser fomentado, sem hora e local pré-definidos.
Por isso aquela grama, que unia diferentes estados e até países, numa sexta a tarde, onde cangas coloridas recebiam folhas de poesia, cafunés, música e assistiam malabares, estava “tão Enep”, como um dos sotaques ali falou.
E para comprovar isso, foi feito um experimento – que agrada behaviorista até gestaltistas, passando por todas essas psicologias gerais que o tema sugere:


MATERIAL: Folha de caderno da Ju e caneta do Zé.
SUJEITOS PARTICIPANTES: Enepeiros presentes (não temos nomes não por sigilo, mas porque não se tinha os dados e nem a preocupação de saber quem estava ali dividindo o espaço. Sabemos que eram brasileiros e até chilenos.)
METODOLOGIA: Cadavre Exquis (ou Esqueleto Guloso – adaptação CorepSul).
Foi dada uma folha em branco para uma das pessoas sentadas ali na grama, que escreve uma frase e dobra a folha de maneira que o próximo participante não veja nenhuma parte da frase escrita acima. E assim repetidamente se dá até passar a folha por todos os participantes.
RAPPORT: “Escreva um frase QUALQUER, que lhe venha à cabeça agora. Não é permitido ver a frase anterior (isso se refere à todas as palavras escritas, sem ser aceito ver nem a última.)
LOCAL DA APLICAÇÃO DO EXPERIMENTO: “Num momento ENEP, ouvindo Cordel do Fogo Encantado, uns fazendo malabares, outros dormindo no cafuné e um chocolate passando.”

RESULTADO:
“As paisagens que vejo refletem minha alma
No enrolo das coisas difíceis
E assim nós nos enroscamos.
Brincando de pega-bandeira.
E assim eu surto!
E cheio de afetação
Te amo tanto que não cabe mais em mim.
Adoro flor.
É o preço que se paga.
E o céu está tão lindo!
Hoje é dia de ser feliz.
Chuver, descer a ladeira da praça como quem escorre.
E inconsciente não quer e nem tem dono.”

CONSIDERAÇÕES FINAIS:
Encontro de Estudantes me afeta.

REFERÊNCIAS:
Beijo me liga.
Um Abraço, até outubro, em Londrina – XVIII Erepsul. 9 a 12 out – UEL-PR- www.erepsul.org

29 de julho de 2009 19:00 (na sala de espera do primeiro dia de terapia em grupo de psicodrama)

10.8.09

No. 61 - Não gosto de mentira

06 de julho 2009 12:25
Estava no ônibus há pouco, e até perdi a conexão no terminal, porque demorei a descer, enquanto conversava com uma garotinha de casaco amarelo florido.
E a conversa começou só depois que algo “interessante” aconteceu: senti uma cólica forte, e para aliviá-la tive que liberar uns gases. Sim, soltei um pum silencioso. E quase que instantaneamente ela fala para a mãe:
¬- To sentindo um cheiro de cocô!
E sua mãe:
- Eu também.
E eu, prontamente, com cara de nojo:
- Eu também.
E ela olhou para mim, naturalmente, como alguém perguntaria: “Qual o seu nome?”, ela perguntou:
- Você soltou um pum?
E eu, infelizmente, tive que mentir, segurando o nariz apertado, como ela estava fazendo. Ela apertou ainda mais o dela, e ajudou a mãe, segurando para ela também. Depois da mãe abrir mais a janela do ônibus cheio do meio dia de inverno, a menina pergunta:
- Passo u o cheiro? – com a voz anasalada de nariz fechado.
A mãe espera um pouco e diz que sim. Neste instante ela solta o nariz e dá aquele suspiro de alguém que ficou muito tempo sem respirar. Depois disso se seguiu alguns minutos de conversa, em que ela me olhou e disse:
- Eu te vi no tubo (um tipo de parada de ônibus de Curitiba), quando fui pegar o ônibus. – e depois- É que essa minha mãe aqui é muito maluquinha. Sabe que eu vou viajar para Bandeirantes? E se você quiser ir vai ter que pegar um ônibus.
Nisso, me levanto para seguir a fila de passageiros descendo, e digo:
- Ok, se eu for, vou de ônibus, mas não sei onde é.
E a menina de casaco amarelo florido, no auge dos seus 4 anos, diz prontamente:
- Aí você vai precisar fazer um mapa.
Dali então me despeço, desço no terminal, vejo meu ônibus que passa de meia em meia hora, fechando as portas e saindo. Até corri e bati na porta, gesticulei, corri, e ele se foi. Aí sentei aqui, escrevi essa história, e aceitei o castigo de chegar atrasada no estágio, por ter mentido na conversa. Não pelo pum...

E o mais gostoso desse momento - claro que não foi o cheiro – é que eu estava lendo o livro “El clown, um navegante de lãs emociones.” (JARA, Jesús). Porque a reação natural da menina de casaco amarelo florido, de perguntar se eu que soltei aquele cheiro ruim, e a reação da mãe, de sentir vergonha pela filha, mas rir um pouco contida, traduz um tanto das páginas em espanhol que estava lendo. Da relação do palhaço com o mundo, com os outros, com a ingenuidade, com a não observação de certas normas – ou de norma alguma... Ou então da verdade no mundo infantil, da sensibilidade, e da percepção aguçada do que se passa ao redor, nem que seja através do olfato.
Por isso, cada vez mais, gosto também de usar um casaco amarelo florido assim.

p.s. ok, na próxima provocarei a criança de outra forma...

(foto da aspi by Abelha)